Para que serve o Plano Nacional de Leitura?

O PNL tornou-se um marco das políticas culturais no nosso país, mas com um setor em apuros talvez seja necessário ir mais longe.

Rute Correia@RuteRadio,Rute Correia@RuteRadio|

Na livraria Culsete, em Setúbal, o espartilho do segundo confinamento tem sido muito mais apertado. Para Rita Siborro, gestora da loja, o choque inicial da pandemia levou a uma maior mobilização da população no apoio ao comércio local. Quase um ano depois, a repetição do cenário chegou agravada. Com vendas ao postigo interditas, confirma-se a insuficiência dos canais online e a incerteza sobre o futuro pesa cada vez mais. Desde 15 de janeiro que as livrarias estão de portas fechadas.

Na editora 20|20, o perigo de estoques acumulados foi contido com uma “reformulação do plano editorial” logo na primeira fase da pandemia, travando a chegada de cerca de uma centena de novas obras às lojas. Ana Afonso, diretora editorial desta casa que governa uma dezena de chancelas, detalhou que os habituais lançamentos quinzenais pararam durante cerca de dois meses. Apesar da estabilização do mercado no verão, graças à retoma de lançamentos, as esperanças de um Natal mais proveitoso não se concretizaram. E com um arranque de ano tão doloroso para o setor, a dirigente admite que 2021 voltará a ser um ano difícil – os primeiros sinais de recobro só se deixam adivinhar para um longínquo 2022. Este ano, os lançamentos serão mais uma vez “cautelosos”. Conforme explica, “o livro é um mercado que quando reduz depois demora muito tempo a recuperar”.

Se o livro é um bem essencial, as livrarias são um bem fundamental.

comunicado da RELI (Rede de Livrarias Independentes)

Para milhares de portugueses, a única livraria acessível é a prateleira do supermercado. Dos cerca de 1000 pontos de venda de livros em Portugal, aproximadamente 600 correspondem a superfícies deste tipo. Daí que a proibição de venda de livros nestes estabelecimentos, no início deste segundo período de estado de emergência prolongado, tenha sido particularmente problemática. Entretanto, as regras foram revistas e a venda de livros em locais onde são também disponibilizados outros produtos essenciais foi autorizada. Hoje, é possível comprar livros em supermercados, postos dos CTT, tabacarias, estações de serviço, mas não em livrarias. Ou seja, a medida basicamente deixou o comércio de livros nas mãos de quase todos exceto daqueles que realmente percebem de livros. É nas livrarias que se encontram os catálogos alargados, os títulos para lá das novidades e dos sucessos retumbantes, a literatura digerida longe dos holofotes. O remate do comunicado da RELI (Rede de Livrarias Independentes) a propósito da retoma das vendas de livros está alinhado com as declarações de Júlia Martins, coordenadora do catálogo do Plano Nacional de Leitura, que sublinha que “as livrarias não são por excelência, infelizmente, locais onde haja aglomerados de pessoas. Por isso, não faz sentido dificultar o acesso ao livro porque de facto os livros são um bem essencial”. Nas cidades portuguesas onde conseguem resistir, as livrarias independentes sobrevivem a custo. Afinal, até no grande retalho livreiro, como a cadeia Bertrand, houve lay-offs.

Já as encomendas online não chegam nem para as lojas nem sequer à maioria das pessoas. Numa entrevista ao Dinheiro Vivo em fevereiro, Pedro Sobral, diretor-geral do grupo Leya e vice-presidente da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), explicava que “no [primeiro] período de confinamento a compra online de livros representou entre 9 a 10% dos livros vendidos em Portugal. E desses, 90% das pessoas que compraram são da Grande Lisboa e do Grande Porto”. Segundo os dados da consultora GfK, as quebras de vendas do mercado livreiro em 2020 situaram-se na ordem dos 17%. Mas o cenário de leitura é mais aterrador quando olhado em termos absolutos: mesmo nos anos mais simpáticos, a média de livros comprados por cada português nem chega sequer perto de dois por anoa média de livros comprados por cada português nem chega sequer perto de dois por ano.

O abrandamento no ritmo de publicação teve um efeito de bola de neve. No ano passado, o número de recomendações admitidas nas listas do Plano Nacional de Leitura foi marcadamente inferior aos dois anos anteriores, especificamente 327 novos livros - menos de metade do que o sugerido em 2019 (866) e menos de um terço do que em 2018 (1162). As editoras são o primeiro filtro na apreciação dos que merecem um lugar na lista, mas quem se governa por ela?

Era uma vez um plano para a leitura

Medida apontada diretamente aos baixos níveis de literacia que Portugal apresentava à época (descritos na resolução de aprovação como “significativamente inferiores à média europeia”), o Plano Nacional de Leitura foi instituído em 2006. Nesse ano, quase um terço da população com mais de 15 anos concluíra apenas o 1º ciclo de escolaridade e o abandono escolar era altíssimo - 38,5% dos jovens entre os 18-24 anos não tinham terminado o ensino secundário.

O Plano Nacional de Leitura propõe-se criar condições para que os Portugueses alcancem níveis de leitura em que se sintam plenamente aptos a lidar com a palavra escrita em qualquer circunstância da vida, possam interpretar a informação disponibilizada pela comunicação social, aceder aos conhecimentos da ciência e desfrutar as grandes obras da literatura.

Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2006

A urgência da missão espelhava-se no texto, detalhado e ambicioso. A ênfase da promoção da leitura em contexto escolar foi colocada nos jardins de infância e escolas de 1.º e 2.º ciclos, mas ampliada a outros contextos, nomeadamente o familiar e outros “contextos não convencionais de leitura”. Isabel Alçada, professora e escritora de literatura infanto-juvenil com décadas de experiência e reconhecida pelo grande público, foi a primeira comissária nomeada para liderar o projeto.

Para Maria José Gamboa, a inclusão de tempos curriculares dedicados ao prazer da leitura foi uma das maiores revoluções trazidas pelo PNL. A professora e investigadora do Instituto Politécnico de Leiria foi uma das primeiras pessoas a analisar o impacto do programa nas escolas. Defendida em 2010, a sua tese de doutoramento é uma análise da “construção escolar do Plano Nacional de Leitura”. O estudo, ainda que limitado a um agrupamento escolar, apontava para um consenso alargado no entusiasmo da comunidade escolar à receção de livros por parte de alunos, professores e pais. Mas havia arestas por polir. O leque restrito de atividades dinamizadas era uma vulnerabilidade evidente. Afinal, fichas de leitura e apresentações não são propriamente muito entusiasmantes. Matilde Freitas, vencedora do Concurso Nacional de Leitura de 2019, concorda – a estudante afirma a sua preferência por projetos extracurriculares por serem “normalmente mais motivadores”, levando “à exploração autónoma, e aos nossos próprios ritmos”, promovendo a interdisciplinaridade. Do Concurso Nacional de Leitura à iniciativa 10 Minutos a Ler, passando por desafios e clubes de leitura, bem como encontros com autores, a diversidade de atividades à volta do livro expandiu consideravelmente – e a influência do PNL ultrapassou os limites da sala de aula.

Para Ana Afonso, o PNL representa um “selo de garantia da qualidade dos livros”, literalmente: cada livro recomendado traz um autocolante PNL na capa, pelo menos os títulos dirigidos aos mais novos. Para lá das vendas em livrarias, outra vantagem de conquistar um lugar na cobiçada lista reside nas encomendas de bibliotecas escolares e municipais, que tentam rechear as suas coleções com a certeza de qualidade acrescida e uma classificação etária já bem delimitada. Os livros recomendados aos mais velhos não conhecem tais honras, embora a inclusão nas listas seja mencionada na sua comunicação e materiais promocionais afins. Ademais, o “grande orgulho” que é ter livros PNL no catálogo da 20|20 materializa-se igualmente enquanto “pólo de atração para potenciais autores, que se sentem validados e que a nossa editora é uma boa escolha para trabalhar”.

Desde o início, o PNL recomendou mais de 8 mil livros. Nos últimos três anos, as chancelas da 20|20 seguraram quase 10% dos títulos; desses, aproximadamente dois terços pertencem a marcas infantis, a Fábula e a Booksmile. Sem surpresas, são os gigantes grupos Leya e Porto Editora que dominam as listas desde 2018, mas o conjunto de editoras independentes ainda segura a maior fatia.

O reconhecimento é perpétuo para quem tem honras de entrada, o que nem sempre é fácil de gerir. De editoras falidas a títulos fora de circulação, dos 5745 propostos até 2017 é difícil precisar quantos deles estão acessíveis ao grande público. Daí que a articulação do PNL com as editoras tenha estreitado nos últimos anos. Deixar que sejam elas a fazer a avaliação inicial de títulos é uma maneira de assegurar com maior confiança que um livro ainda estará nas lojas quando a lista for divulgada. Mesmo assim, há títulos que demoram até chegarem ao PNL. Júlia Martins reconhece que existem falhas no catálogo, mas sublinha a importância da aproximação às editoras: "Considerando, por exemplo, os livros de alguns vencedores do Prémio Nobel que ainda não temos no plano e que começaram a ser editados agora em Portugal, nós reforçamos junto da editora que seria importante um nome com um prémio deste neste âmbito”. Apesar de frutífera, a aceleração da periodicidade das listas, de anuais para semestrais, parece insuficiente.

A seleção final é conduzida por um painel de especialistas provenientes de várias áreas do saber. Os membros do painel colaboram entre si, certificando-se que cada título cumpre os critérios de “qualidade suprema”. De maneira a mitigar possíveis enviesamentos, esta equipa é externa ao PNL. Sem novos títulos para mostrar, as sugestões também se tornam rarefeitas. Esta “pausa editorial”, como lhe chamou Júlia Martins, será usada para dar vazão a avaliações pendentes. Com submissões que rondam os dois mil livros por ano e um painel de apenas dezassete especialistas, há sempre títulos que ficam por analisar em tempo útil. Em 2021, o caminho será por aí. Depois das listas, chega tudo o resto. Programa de Promoção da Leitura, Rede de Centros de Ciência Viva, Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, Rede de Bibliotecas Escolares e as bibliotecas das instituições do ensino superior, todos remam em conjunto, aproximando os livros das pessoas.

Miúdos e graúdos: os livros são para todos

Quinze anos depois do início, um dos maiores desafios do PNL é rebentar a “bolha” da literatura infanto-juvenil. Desde 2017 que as listas incluem um leque mais alargado de recomendações para o público adulto, mas a marca ainda vive ancorada na premissa de que as leituras sugeridas são dirigidas aos mais novos. Rita Siborro confirma que “o público habituou-se a ligar o PNL à escola”. A clivagem é clara até entre crianças e adolescentes, “porque quem compra os livros do público mais jovem também são os pais e educadores e, portanto, vão muito à procura desse artigo mais adequado a determinada faixa etária. Depois quando começam a ser os próprios a comprar os livros, enfim, já vão mais pelos gostos pessoais ou pelo folhear o livro e ver se gostam ou não”, estando menos agarrados a uma eventual rotulagem. Para a livreira, o marketing é uma das soluções em que talvez se deva investir nesse sentido.

Mais do que esticar recomendações a novas idades, a prioridade deste novo ciclo é, segundo Júlia Martins, "dar a ler a todos e que ninguém fique de fora”. Além das faixas etárias, cada livro passou igualmente a incluir a indicação do nível de leitura, porque o grau de literacia em leitura em Portugal pode ser díspar mesmo em grupos com idades ou escolaridade idênticas. Além disso, como refere, “muitas vezes um livro pode ter níveis de leitura diferentes e isso pode estar na causa da motivação ou não de o leitor querer continuar a ler; um leitor que não tem muitos hábitos de leitura possivelmente não vai começar a ler os clássicos”. Maria José Gamboa elogia o alargamento da iniciativa aos mais velhos remetendo para a ideia do “leitor em construção”, conceito apresentado pelos professores Rui Vieira de Castro e Maria de Lurdes Dionísio, da Universidade do Minho, que parece estar a ser incorporado na nova estratégia do PNL. Até 2027, o PNL mantém a aposta numa visão transversal da leitura enquanto ferramenta de desenvolvimento social, individual e coletivo. Apesar de os tesouros literários continuarem assumir o protagonismo das listas, há uma diversificação de títulos abrangente, em que categorias como Ciência & Tecnologia ou Cultura & Sociedade contribuem para o fomento de literacias de várias ordens.

A construção do leitor é uma tarefa para a vida. Essa dicotomia de leitores/não-leitores pode ser profundamente perigosa. Desde logo porque pode levar-nos a pensar que a formação de leitores é em si um processo estático, datado no tempo de vida das pessoas e não é. Nós somos leitores em construção durante todo o nosso ciclo vital.

Maria José Gamboa, professora e investigadora do Instituto Politécnico de Leiria

Ler é partilhar visões do mundo

Para Maria José Gamboa, a “socialização de leituras é fundamental” seja na partilha de considerações sobre cada obra, seja na própria condução desses diálogos. A investigadora realça ainda a “vantagem de poder escolher os livros” que serão objeto de dedicação, enaltecendo a necessidade tornar coletiva uma experiência individual. Rita Siborro confirma-nos que essa possibilidade de escolha é um dos pilares da atividade do clube de leitura da Culsete. Na mais antiga livraria sadina, os encontros mensais começaram no início de 2020. Sem pandemia à vista, a sessão inaugural foi presencial, mas o confinamento obrigou à migração para o digital. Desde então, o grupo não tem parado de crescer. Com leitores adultos de idades compreendidas sensivelmente entre os 25 e os 60 anos, as sessões são bastante participadas e às conversas sobre o livro do mês juntam-se sempre partilhas sobre outras leituras. O clube conta com o apoio do PNL. Assim, a seleção inicial dos livros que irão a votação para serem lidos no mês seguinte tende a incorporar títulos recomendados.

Os clubes de leitura são um fenómeno recebido de braços abertos pelos vários intervenientes. Apesar da aparente explosão dos últimos tempos, há muitos anos que estes grupos vão polvilhando o território nacional: em livrarias, em bibliotecas e até noutros espaços. No Algarve, por exemplo, as bibliotecas municipais de Portimão, Lagoa e S. Brás de Alportel arrancaram iniciativas deste tipo em 2002. Hoje, multiplicam-se também pela esfera online dando até atenção a temas específicos. Quando Sara Barros Leitão anunciou a criação de Heróides – Clube do Livro Feminista, as vagas esgotaram num instante. Em declarações à revista Time Out, a atriz esclareceu que “os livros não são necessariamente feministas, as leituras que fazemos é que o são”, denunciando a relevância da interpretação de cada texto num movimento de compreensão alargada do mundo que nos rodeia. Heróides está longe de ser o único clube deste género em Portugal. Do Portuguese Women in Tech até às Leitoras de Pandora, da Confraria Vermelha Livraria de Mulheres no Porto, as leituras feministas estão em alta.

Como é que nós, leitores - que empatizamos e quase sentimos na pele histórias que nunca vivemos, que traduzimos livros para que sejam acessíveis para todos, que nos orgulhamos da partilha livre de conhecimento em espaços como bibliotecas e escolas, que analisamos a história através dos autores que a viveram - nos conformamos em ficar calados quando nos chamam a votar e impactar (mesmo que só um pouco) o futuro do nosso país?

Matilde Freitas, vencedora do Concurso Nacional de Leitura 2019 na categoria de Ensino Secundário

Quem procure orientações generalistas será certamente bem acolhido no Clube de Leitura PNL 2027, mas para os amantes de livros não faltam escolhas no que toca a espaços de tertúlia literária. Ainda assim, todos os clubes são poucos para um universo tão rico. Daí que haja também um esforço acrescido na dinamização destes espaços – do PNL à ONU, são várias as instituições que incentivam à  capacitação de pessoas para organização dos seus próprios grupos de leitores. A iniciativa da ONU, que conta em Portugal com o apoio da DGLAB e da BAD (associação portuguesa de bibliotecários, arquivistas, profissionais da informação e documentação), incita à criação de clubes dedicados a 50 sugestões literárias ligadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável promovidos para a Agenda 2030. Na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, em Vila Nova de Famalicão, o clube de leitura já existente foi rebatizado para acomodar esta aposta transversal na leitura enquanto promotora de mudança e ação cívica.

Uma vitória com páginas por escrever

O balanço de quinze anos de atividade é francamente positivo. O Plano Nacional de Leitura é uma política cultural de valor acrescentado, com ramificações por todas as esferas da sociedade portuguesa. Nas palavras de Maria José Gamboa, o “mérito extraordinário” do PNL foi “assegurar condições de igualdade e de equidade no acesso aos objetos de leitura”, sendo esta "uma condição de sucesso fundamental para a construção do desejo de ler e de o fazer ao longo da vida".

Apesar da queda do número de escolas primárias desde o início do milénio (particularmente abrupta precisamente de 2006 para 2007), o número de bibliotecas escolares não parou de subir até 2011, tendo-se mantido relativamente estável desde então. Atualmente quase 40% das escolas públicas nacionais têm uma biblioteca. Pelo número de alunos que servem, é expectável que a grande maioria das bibliotecas escolares se situem em escolas básicas dos 2º e 3º ciclos e secundário, cobrindo a larga maioria destes estabelecimentos de ensino. Na opinião da investigadora, a melhoria do fundo bibliográfico destes espaços, bem como a aposta na formação de profissionais são pontos de destaque.

Os efeitos no rendimento escolar estão à vista. Os resultados mais recentes (2018) do teste internacional PISA (programa de avaliação internacional de alunos) colocam os estudantes nacionais na média da OCDE nas competências de leitura. Neste indicador, a pontuação de Portugal aumentou 20 pontos desde 2006. O maior catalisador de desigualdade neste desempenho continua a ser o contexto socioeconómico dos alunos, fator que tem agravado a sua influência desde 2009. Ainda assim, 10% dos alunos em situações desfavorecidas alcançaram o primeiro quartil na fluência de leitura (média OCDE, 11%), remetendo para a eficácia do investimento alargado. O estudo Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário, conduzido pelo CIES-ISCTE e apresentado em setembro de 2020, denota que, paradoxalmente, quem tem mais livros em casa é também quem mais se serve das bibliotecas para requisitar livros.

No entanto, uma das certezas firmadas é a de que, hoje, as crianças portuguesas são leitoras, mas chegadas ao 3º ciclo começam a afastar-se do livro. A tendência não é um exclusivo nacional; nos restantes países da União Europeia o caso é semelhante, mas a descida é mais acentuada por cá. Provavelmente juros de mora pela persistência de francas debilidades de escolarização da população adulta, este desequilíbrio é particularmente dramático, porque as crianças que continuam a ler são aquelas cujos pais também leem. Em 2018, um estudo do Instituto Superior Técnico indicava que 60% das crianças portuguesas recebem o seu primeiro telemóvel entre os 10 e os 12 anos. O mesmo estudo referia que só uma ínfima parte (0,4%) dos adolescentes não tinha telemóvel – mesmo longe dos livros, prevalece a ideia de que os jovens nacionais continuam a ler, mas que o seu interesse acaba por recair noutros textos. Algo que parece confirmado até pelos dados relativos aos hábitos de leitura dos adultos, que diminuíram 4,2 pontos percentuais entre 2007 e 2016, com particular decréscimo até nos mais escolarizados e qualificados quanto à atividade profissional. Para Matilde Freitas, o distanciamento do livro coincidiu precisamente com o início da sua vida adulta: “Sinto que o ensino superior me fez chegar àquele ponto que tanta gente que gosta de ler se queixa, em que a lista de livros que tenho a apanhar pó na mesinha de cabeceira já é demasiado grande para o tempo que tenho disponível e já nem as férias me valem.”

Por fazer está também a biblioteca digital do PNL – algo essencial sobretudo numa altura em que a venda de livros e o acesso a bibliotecas estão bastante condicionados. Júlia Martins esclareceu-nos que o projeto tem vários constrangimentos de execução, nomeadamente financeiros, mas confirmou que "as comissárias do plano estão em conversações com todos os parceiros de modo a que esta biblioteca possa ir para o ar o mais cedo possível”. Em 2017, Teresa Calçada e Elsa Conde assumiram as posições de comissária e subcomissária do PNL, respetivamente.

Até 2027, a visão do Quadro Estratégico do Plano Nacional de Leitura é "Um futuro onde todos os portugueses possuam os hábitos de leitura e as competências de literacia indispensáveis à sua vida pessoal, escolar, profissional e ao progresso económico, social e cultural do país”.

Notas metodológicas

Trabalhámos com várias bases de dados facultadas pelo Plano Nacional de Leitura: um ficheiro com as recomendações até 2017, um ficheiro com as de 2017 e seis ficheiros relativos aos semestres 2018-2020. Os dados foram consolidados quando tal se mostrou exequível, nomeadamente com a remoção de entradas duplicadas e corrigindo variações nos nomes das editoras. 

Uma vez que as terminologias utilizadas na classificação etária e níveis de leitura de 2017 divergem significativamente das presentes nos restantes ficheiros, decidimos deixar de fora essa análise. A lista de 2017 contém 414 títulos recomendados, cerca de 4,9% do total de livros recomendados.